
Tranquilidade, educação, respeito, mas sem deixar de ser firme. Estas são algumas características que fazem parte da rotina do delegado Matheus Zanatta, ao efetuar abordagens contra praticantes do “grau”, “cavalo-de-pau”, “empinada de moto” e outras manobras perigosas que podem resultar na morte de condutores, passageiros e até de quem não tem nada a ver com essas infrações de trânsito.
Paranaense de 39 anos, Zanatta chefia a Superintendência de Operações Integradas da Secretaria de Segurança Pública do Piauí. Também recaem a ele créditos do sucesso da política pública piauiense que restitui celulares roubados e furtados, referência nacional de inteligência contra ladrões e receptadores de smartphones.
Em entrevista ao Band.com.br, Zanatta comentou a repercussão positiva de vídeos da “Operação Rolezinho” (coíbe prática de “grau” e outras infrações de trânsito deliberadas e reiteradas em vias públicas) em que aparece como “delegado tranquilão”, termo cunhado, pela primeira vez, em postagem de vídeo nas redes sociais do Band Jornalismo, em março deste ano.
Naquela ocasião, Zanatta anunciou a prisão de um jovem por dar “grau” e “cavalo-de-pau” em rodovias (veja o vídeo abaixo), além de postar conteúdos criminosos nas redes sociais. Com o sucesso da publicação, o agente passou a ser conhecido como “delegado tranquilão”.
Já na última terça-feira (19), outro vídeo repercutiu. A gravação mostra a explicação paciente do delegado ao investigado. Contra o suspeito, a Justiça do Piauí ordenou a apreensão da motocicleta, recolhimento domiciliar à noite e aos finais de semana e exclusão de postagens nas redes sociais. A operação foi deflagrada nas cidades de Inhuma, Aroazes e Ipiranga.
“Eu sempre procuro ter essa serenidade e deixar claro os motivos que a pessoa está sendo abordada, quais as medidas cautelares estão sendo cumpridas. Tento conscientizar o abordado sobre quais as consequências do descumprimento das medidas cautelares. Essa abordagem vem dando tão certo, que ganhou repercussão nacional. E eu já comecei a perceber que outros delegados já começaram a fazer essa abordagem mais humanizada”, disse o delegado na entrevista.
Suspeitos podem ser aliados
Zanatta explicou que a postura serena, durante a “Operação Rolezinho”, é uma estratégia para fazer com que o suspeito se torne aliado da causa. Para o delegado, mais que reprimir de forma agressiva, as incursões têm o objetivo de salvar a vida dos próprios suspeitos e de terceiros que possam ser atingidos em eventuais acidentes.
“Além de aplicar as medidas cautelares, com muita tranquilidade e firmeza, aplicando, rigorosamente, a lei, deixando claro que o indivíduo não pode fazer [as manobras perigosas em vias públicas], eu também dou o tom de prevenção a esse indivíduo, para ele nos ajudar e repassar essa mensagem para que as pessoas parem de praticar o grau. Eu sempre falo para os investigados que nós só estamos fazendo a ‘Operação Rolezinho’ para salvar os próprios praticantes”, salientou Zanatta.
Nas redes sociais, o delegado costuma divulgar os resultados das operações, inclusive depoimentos de investigados que passaram a perceber que esse tipo de crime pode ser bastante danoso. Um deles é José de Arimatéia, de 25 anos, preso em uma das incursões da Polícia Civil.
“Quero dizer para a rapaziada que estiver vendo este vídeo que se conscientize. O que estou passando não é coisa boa, por conta disso. Pare de postar vídeo desafiando a Justiça. A mãe está sofrendo muito por causa disso, ao ver um filho como eu, que trabalha, estar passando por isso tudo”, lamentou o jovem, hoje monitorado por tornozeleira eletrônica.
Justificativas para prisão e exclusão de posts
Apesar dos elogios recebidos, as ordens cumpridas pela polícia também são alvo de críticas sobre supostos exageros da Justiça, a exemplo do cumprimento de mandados de prisão e da exclusão dos perfis de investigados nas redes sociais. Zanatta, porém, rebateu as alegações e demonstrou que, em muitos casos, os suspeitos feriram, além do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o Código de Processo Penal (CPP).
Adulteração de placas e leis ambientais
No Piauí, os praticantes do grau costumam remover ou adulterar a placa da moto para não serem identificados. Segundo Zanatta, isso configura crime previsto no CPP. Ele também alega que o barulho excessivo causado pelo escapamento do veículo fere a legislação ambiental, devido à poluição sonora que, inclusive, pode prejudicar pessoas autistas e animais.
“Aqui no Piauí, nós temos percebido que muitas pessoas que praticam o grau tiram a placa da moto ou viram a placa da moto, justamente, para elas não serem identificadas. Essa conduta já configura adulteração de sinal identificador, crime do artigo 311 do código penal. Muitas dessas pessoas também fazem alteração no escapamento. Isso já caracteriza crimes da lei ambiental, que é a poluição sonora, aquele barulho ensurdecedor”, explicou o delegado.
Crimes nas redes sociais
Sobre as ordens que pedem remoção de conteúdos e/ou exclusão de perfis nas redes sociais, o delegado revelou que, em muitos casos, os praticantes do “grau” usam as postagens para cooptar seguidores. Quando atingem grande número de fãs nessas plataformas, começam a divulgar jogos e rifas ilegais, a exemplo do “Tigrinho”.
“Eles usam as redes sociais para fazerem a cooptação de novos seguidores, induzem à prática de crime e, a partir das redes sociais, eles começam a divulgar plataformas ilegais, jogos ilegais, rifas ilegais”, continuou o entrevistado.
Mais de 1.000 cautelares cumpridas
No Piauí, a “Operação Rolezinho” começou a ter mais destaque este ano, mas já há trabalhos grandes da Polícia Civil desde 2024. Até o momento, a polícia já cumpriu mais de 1.000 medidas cautelares contra suspeitos que fazem manobras perigosas sobre duas rodas e carros, em vias públicas.